O diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), Marcos Woortmann, defendeu a aprovação de um benefício de auxílio climático emergencial para os afetados por eventos climáticos extremos, como enchentes e secas. Em entrevista ao Congresso em Foco, ele afirmou que as enchentes no Rio Grande do Sul e as secas da Amazônia deveriam servir como exemplo para que os políticos passem a dar mais atenção para pautas ambientais.
O IDS é um dos apoiadores do Prêmio Congresso em Foco 2024 e oferece a categoria especial “Clima e Sustentabilidade”.
Leia a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco: Especialistas têm feito uma alerta para a aprovação de um conjunto de projetos no Congresso apelidado de “pacote da destruição”, que seria nocivo ao meio ambiente. Por que os parlamentares deveriam considerar essas medidas como um risco?
Marcos Woortmann: O chamado pacote da destruição, na minha avaliação, é a mais estrita e nítida demonstração de irracionalidade e capacidade de negação da realidade de que se tem notícia recentemente no país. Até poucas décadas atrás, era possível ouvir e travar, até mesmo com algumas pessoas honestas, um debate que fosse baseado talvez mais em ideologia do que em razão e dados científicos.
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Contudo, hoje, já absolutamente demonstrado não apenas por modelos probabilísticos, mas pela confirmação mesmo dos cenários mais graves previstos por estes – considerados, antes, menos prováveis do que cenários mais graduais–, entender que ainda existem, a despeito da própria realidade ser palpavelmente diferente, projetos que buscam o agravamento dessa circunstância, é uma coisa realmente impressionante.
Nesse sentido, os parlamentares precisam estar preocupados com o pacote da destruição, como todos os cidadãos e cidadãs brasileiros, porque vivem nesse país e vão sofrer as consequências da janela de ação nesse momento ser utilizada ou não, ou ainda ser agravada, que é o que pretende todo esse pacote da insanidade relativamente às condições climáticas do Brasil.
Apesar disso, o Congresso também tem debatido a transição para uma economia mais sustentável, como a aprovação da MP do Mover e a regulação do hidrogênio verde. Como o senhor avalia o avanço dessas pautas?
O IDS sempre teve uma linha de atuação estratégica no sentido de incentivar projetos positivos ambientalmente, entendendo que esses projetos são catalisadores da ação coletiva do Congresso Nacional, dos parlamentares, e tendem também a galvanizar posições e a criação de confiança entre a sociedade civil e parlamentares, sobretudo novos parlamentares.
Nesse sentido, projetos como o hidrogênio verde, a própria reforma tributária, naquilo que tange às questões ambientais, são extremamente estratégicos para o posicionamento da economia política do Brasil no século XXI. Em alguns casos, a exploração mais brutal do ser humano em situações degradantes e absolutamente inaceitáveis é financiada e financia alguma das burocracias e empresas mais modernas do capital financeiro mundialmente, em termos de processos e dinamicidade. Isso tudo dentro de um mesmo país.
Hoje, no século XXI, é absolutamente nítido que esse tipo de modelo não cabe mais, porque a degradação humana é sempre acompanhada pela degradação ambiental. E uma já sendo inaceitável, a outra também é emergencial. Por isso, nós avaliamos com muito bons olhos que esses debates estão ocorrendo, que é possível então posicionar o Brasil integralmente em um novo ciclo de desenvolvimento, que deixe para trás aqueles grilhões onde ainda centenas de milhares, e talvez milhões, de brasileiros estão presos.
Nós vimos no Rio Grande do Sul as consequências que as mudanças climáticas podem trazer. Diante desse cenário, no que os políticos deveriam focar para que estejamos preparados e adaptados a essas mudanças?
A tragédia do Rio Grande do Sul foi o maior alarme emergencial já sentido no Brasil em termos climáticos. Eu tenho um particular ponto de atenção a essa tragédia, pois nasci numa das cidades atingidas. Porém, aquilo que de fato precisa ficar necessariamente como um aprendizado é que uma realidade como essa jamais pode ser normalizada. Certos municípios foram atingidos três vezes por enchentes em apenas um ano. E existe uma correlação direta com o desmatamento do Cerrado, com o aquecimento do Planalto Central, que conduziu a essa situação.
Ou seja, não é apenas o Rio Grande do Sul que precisa se adaptar, mas o Brasil inteiro, para que o estado possa sobreviver, mas não só ele. Se lembrarmos dos últimos anos, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e diversos estados tiveram problemas graves com excesso de chuvas, deslizamentos e enchentes que ceifaram a vida de milhares de pessoas, sendo que praticamente todas essas tragédias poderiam ter sido, senão prevenidas, em muito diminuídas em sua intensidade.
Isto dito, é necessário celebrar o avanço muito importante, que foi conquistado esse ano, com a aprovação do PL 4129/21, que dispõe e dá obrigatoriedade e diretrizes para consecução dos planos de adaptação climática para municípios e estados. Isso é um avanço e um reconhecimento muito grande da importância do trabalho legislativo quando bem conduzido e em sintonia com a realidade.
Eu espero que esse exemplo seja seguido por diversos outros, como também a aprovação de um benefício de auxílio climático emergencial, para que as pessoas possam, dentro de suas próprias capacidades, ter os meios de se reorganizar – e em alguns casos, inclusive, de se reassentar –, quando suas propriedades e cidades não forem mais viáveis de permanecerem onde estão e que não passem necessidades por conta das consequências de uma má gestão ambiental de todo o país.
O senhor acredita que a pauta ambiental será uma das tônicas das eleições municipais?
Eu espero muito sinceramente que sim e que não sejam necessárias maiores tragédias além daquelas que já ocorreram neste ano e no ano passado. Tragédias como a do Rio Grande do Sul, os incêndios da seca na Amazônia, os incêndios no Pantanal, da seca de rios inteiros são mais do que necessários para convencer qualquer pessoa que pudesse ter ainda alguma dúvida sobre a realidade das mudanças climáticas.
Por quê?
Não é mais possível negar essa realidade, pois ela já se tornou palpável e é sentida por todas as pessoas independente de região ou classe social, embora sempre com maior gravidade por aquelas pessoas mais vulneráveis. E se de fato a democracia é a grande possibilidade de expressão das maiorias e, nesse caso, das maiorias mais vulneráveis a essas mudanças, eu espero que essa percepção se faça presente e que as propostas e o debate público igualmente o façam.
Que saíamos dessas armadilhas de pautas artificiais de costumes, que nada têm de aderência com a realidade, e que essas eleições possam tratar de fato daquilo que já é condição de vida, ou de degradação da vida, de milhões de brasileiros, que são as condições climáticas em que nós nos encontramos. As decisões mais importantes e imediatas na vida dos cidadãos são as que se dão na cidade. Então as eleições municipais nesse momento são uma chave muito importante para uma mudança de fato nas políticas ambientais como um todo no país.